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Zolgensma, o remédio mais caro do mundo

Tratamento de R$ 2,8 milhões levanta debate sobre falta de transparência no setor farmacêutico

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Atualizado: 

18/02/2021
Foto: iStock
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No mercado de medicamentos, a falta de transparência da indústria sobre quanto custa, de fato, desenvolver, produzir e distribuir um medicamento gera aberrações difíceis de explicar. O Zolgensma, usado para o tratamento de uma doença genética rara chamada atrofia muscular espinhal (AME), é um exemplo perfeito. 

O medicamento, que é aplicado em dose única e tem o potencial de curar a doença, foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 2020. Em seguida, passou pelo crivo da Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), que definiu um preço máximo de R$ 2,878 milhões para a comercialização no Brasil - valor 76% mais baixo do que o aplicado nos Estados Unidos, de cerca de R$ 12 milhões. 

Lançado em 2019 pela farmacêutica Novartis, o Zolgensma ficou conhecido no país por suscitar enormes campanhas de arrecadação na internet e por ser o centro de diversas batalhas judiciais entre pacientes e o Estado. O tema é central para a sustentabilidade do SUS, já que vitórias judiciais dessa envergadura - apesar de fundamentais para os pacientes -, podem literalmente fazer ruir o orçamento das secretarias de saúde. 

O debate, que não é fácil, tem sido marcado por um grande silêncio: o da indústria. Não se sabe, ao certo, porque o medicamento é tão caro, levando famílias e Poder Público ao limite. É comum que, neste campo, as empresas farmacêuticas recorram ao argumento genérico que criar um novo medicamento, ainda mais voltado para uma doença rara, é caro e arriscado - o que é verdade. O que elas não explicam é que grande parte dos avanços tecnológicos na área da saúde recebem aportes públicos massivos, que só não vêm a público em números e percentuais por conta da opacidade que caracteriza o setor. 

O Zolgensma, por exemplo, sequer foi criado pela Novartis. A farmacêutica comprou o laboratório AveXis, o verdadeiro desenvolvedor, quando o medicamento estava a ponto de ser lançado, em 2018. 

“Neste, como em vários outros casos, sequer se pode falar em prêmio pelo esforço de pesquisa e o risco associado ao investimento”, explica Lúcia Helena Salgado, economista e professora da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ (Universidade Estado do Rio de Janeiro). “De certo o preço estratosférico permite uma rápida recuperação do investimento feito, beneficiando os acionistas, mas à custa dos sistemas de saúde e das esperanças de pais de crianças portadoras da doença”, completa.

Outro argumento comum para justificar o preço exorbitante é que, por ser usado para o tratamento de uma doença rara, o valor compensaria a baixa demanda. Novamente, a afirmação não se sustenta quando analisada em profundidade. 

Como explica a professora Salgado, medicamentos como o Zolgensma usam a nanotecnologia, que é uma plataforma tecnológica que pode ser aplicada para várias classes de moléculas, sintéticas ou naturais. Isso significa que sua inovação de fundo pode ser usada para o desenvolvimento de muitas terapias, diluindo os custos de desenvolvimento em um grande portfólio de produtos para diferentes enfermidades. “Não há razões de natureza econômico-financeira para a precificação estratosférica de um medicamento que representa parte de uma família de novos medicamentos”, afirma. 

Um estudo publicado em 2020 no JAMA (Journal of the American Medical Association) mostra que os lucros das 35 maiores empresas farmacêuticas são superiores aos registrados em outras indústrias. Nesse grupo, o lucro líquido entre 2000 e 2018 foi da ordem de US$ 8,3 trilhões, com uma margem média de 13,7%. Nas 357 empresas não farmacêuticas analisadas no estudo comparativo, a margem média de lucro ficou em 7,7%.

Transparência ampliada

A falta de transparência no setor farmacêutico, como se vê, é um ponto central na discussão sobre preços de medicamentos. Quando a Cmed foi criada, em 2002, determinou-se que as empresas deveriam cumprir alguns requisitos de transparência no momento do registro sanitário - mas os dados a serem fornecidos são restritos à produção e à logística, e tanto a Cmed quanto a Anvisa podem dispensar as companhias desta exigência.

O  PL 5591/2020, em discussão no Senado, amplia a lista de informações a serem apresentadas - entre elas estão, por exemplo, a existência de políticas de desconto aplicadas em outros países e o volume de recursos públicos e privados utilizados nas fases de pesquisa e desenvolvimento do produto. O texto também reduz as hipóteses em que as companhias podem se negar a fornecer esses dados.

Para apoiar essa proposta, acesse o site da campanha Remédio a Preço Justo e assine a petição: www.remedioaprecojusto.org.br

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